PROCESSO Nº 2009.84.00.010246-0
CLASSE 29 - AÇÃO ORDINÁRIA
AUTORA: EZAÚ BARBOSA e MARIA DO SOCORRO BARBOSA (Adv.: Dr. Nilson Nelber Siqueira Chaves)
RÉUS: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA
DECISÃO
Cuida-se de ação ordinária proposta por EZAÚ BARBOSA e MARIA DO SOCORRO BARBOSA em desfavor do BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA, na qual postulam, liminarmente, a concessão de alimentos provisionais, no valor de R$ 930,00, ou outra quantia arbitrada por este juízo.
Os autores alegam, em síntese, que são genitores de Emanoel Gesian Barbosa, que, em 22 de maio de 2009, foi morto por fiscal do IBAMA, conforme o exame de confronto microbalístico, que identificou a arma da qual saíra o projétil fatal. Afirmam que a vítima e um amigo que a acompanhava foram surpreendidos por agentes do IBAMA ao saírem da mata, no Município de Jandaíra/RN. Afirmam que os jovens encontravam-se desarmados e não esboçaram qualquer reação, o que não impediu que os fiscais do IBAMA efetuassem vários disparos, um dos quais atingiu a vítima no peito.
Defendem a responsabilidade objetiva do estado, nos termos do art. 37, § 6º, pela morte do filho do casal, que contava com apenas 22 anos de idade, de forma que fazem jus à indenização por danos morais e materiais. Esclarecem que o de cujus, que era solteiro e não tinha filhos, ajudava no sustento da família, razão pela qual entendem ser devida a imediata fixação de alimentos provisionais.
Com a inicial, vieram os documentos de fls. 20/175.
Intimado para se pronunciar sobre o pedido liminar, o IBAMA sustenta não serem devidos alimentos em ação de indenização,porquanto, a teor do art. 948, II, do Código Civil, estes seriam mero critério de arbitramento do dano moral. Defende, ainda, a impossibilidade de ser concedida tutela antecipada contra a fazenda pública.
É o que merece relato. Passo a decidir.
Nos termos do art. 852, do Código de Processo Civil, são cabíveis alimentos provisionais: "I - nas ações de desquite e de anulação de casamento, desde que estejam separados os cônjuges; II - nas ações de alimentos, desde o despacho da petição inicial; III - nos demais casos expressos em lei."
De destacar-se, de logo, que, conquanto figure como procedimento cautelar específico, diante da fungibilidade das tutelas de urgência consagrada no art. 273, VII, do CPC, não existe óbice para o seu requerimento no bojo do próprio processo principal.
Defendem os autores que a pretensão liminar encontra respaldo no art. 852, III, do CPC, uma vez que o art. 948, II, do Código Civil estabelece a obrigação de prestação de alimentos aos dependentes do morto, em caso de homicídio. Eis o teor do dispositivo legal invocado:
"Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações;
I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e luto da família;
II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima."
De fato, é pacífica a jurisprudência acerca da obrigação de prestação de alimentos do responsável pela morte aos dependentes da vítima. Nesse sentido, conferir os seguintes arestos:
"Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Morte de preso no interior de estabelecimento prisional. 3. Indenização por danos morais e materiais. Cabimento. 4. Responsabilidade objetiva do Estado. Art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Teoria do risco administrativo. Missão do Estado de zelar pela integridade física do preso. 5. Pensão fixada. Hipótese excepcional em que se permite a vinculação ao salário mínimo. Precedentes. 6. Agravo regimental a que se nega provimento." (STF, 2ª T., I 577908/GO, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe-222, publicado em 21-11-2008).
"Responsabilidade civil. Lesões corporais seguida de morte. Indenização por ato ilícito. Danos morais. Cabimento. Pensão de natureza alimentar. Pagamento através de desconto
Dessa forma, havendo disposição legal acerca da obrigação de prestação de alimentos em tais casos, é possível, em tese, a concessão de alimentos provisionais, os quais têm por finalidade assegurar o sustento do demandante até o deslinde da causa.
Sobre o tema, invoco lição de Humberto Theodoro Júnior, citado por Luiz Rodrigues Wambier (Curso Avançado de Processo Civil, 5. ed., São Paulo: RT, 2003, p. 93):
"Alimentos, em sentido jurídico, compreendem tudo o que uma pessoa tem direito a receber de outra para atender a suas necessidades físicas, morais e jurídicas. (...) Como o sustento da pessoa natural é necessidade primária inadiável, não pode o seu atendimento ser procrastinado até a solução definitiva da pendência entre devedor e credor de alimentos. Daí a instituição de uma medida cautelar - os alimentos provisionais - com o fito de socorrer o necessitado na pendência do processo principal. Entende-se, de tal sorte, por alimentos provisionais os que a parte pede para seu sustento e para os gastos processuais, enquanto durar a demanda. (...)"
Sobre o cabimento de alimentos provisionais por ato ilícito, destaco, ainda, os seguintes julgados:
"RESPONSABILIDADE DA UNIÃO. FALECIMENTO DE MILITAR
- A situação de pobreza, restando evidenciada, somada à inequívoca responsabilidade do Estado ou de seus agentes, em acidente que resultou em falecimento de militar em serviço, conduz ao entendimento de que estejam presentes os requisitos autorizadores de antecipação de tutela, para o fim de serem fixados alimentos provisórios, em favor de filho menor." (TRF4, 4ª T., AG 200304010184352, Rel. Des. Federal EDGARD ANTÔNIO LIPPMANN JÚNIOR, DJ 01-10-2003, P. 561).
"PROCESSO CIVIL. TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. EXEGESE DO ART. 273 DO CPC. PAGAMENTO DE ALIMENTOS PROVISIONAIS A DEPENDENTE DE PRESIDIÁRIO QUE ACIDENTOU-SE NA PRISÃO E VEIO A FALECER. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO CONFIGURADA. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO." (TJMG, 8ª Câmara Cível, Processo 1.0480.05.074085-5, Rel. Des. ISALINO LISBÔA, publicado em 18-08-2006).
Ultrapassada a questão do cabimento dos alimentos provisionais, necessário se faz perquirir se, no caso concreto, estes são devidos.
Examinando a documentação acostada aos autos, observo que há fortes indícios de que a morte do filho dos demandantes foi provocada por agente do IBAMA, haja vista o laudo de exame de confronto microbalístico (fl. 98/105), estando, pois, configurada a verossimilhança da alegação de responsabilidade do ente estatal pelo evento danoso.
Ressalte-se que, tratando-se de responsabilidade objetiva, torna-se irrelevante qualquer discussão sobre culpa, porquanto somente poderia ser excluída em caso fortuito/força maior ou de culpa exclusiva da vítima, os quais não foram sequer aventados na manifestação prévia do IBAMA.
Quanto à necessidade dos alimentos para o sustento dos autores, restou demonstrado na inicial que se trata de pessoas simples, habitantes da zona rural do município de Lajes/RN, sendo relevante a fundamentação de que a vítima contribuía com o sustento da família. Contra tal afirmação, contida na inicial, o IBAMA também não produziu qualquer impugnação.
No que diz respeito ao montante a ser fixado a título de alimentos provisionais, embora os postulantes afirmem que o de cujus possuía renda de R$ 930,00, os elementos até o momento carreados aos autos não são suficientes para corroborar tal afirmação, razão pela qual entendo deve ser fixada quantia equivalente a um salário mínimo mensal.
Por fim, destaco que não prospera a alegação de impossibilidade de concessão de tutela antecipada contra a fazenda pública, porquanto o Supremo Tribunal Federal afastou tal vedação quando a discussão versar sobre prestação de natureza alimentar, como no caso de benefícios previdenciários.
Diante do exposto, defiro o pedido liminar, determinado ao IBAMA o pagamento de alimentos provisionais aos autores, no valor de um salário mínimo mensal, até ulterior deliberação judicial. Concedo o prazo de 30 dias para a implementação da primeira prestação, sob pena de incidir multa diária de R$ 100,00.
Oficie-se para cumprimento do presente decisum.
Aguarde-se o decurso do prazo para contestação. Após, caso sejam suscitadas questões preliminares, dê-se vista a parte autora para réplica, no prazo de dez dias.
Registre-se. Intimem-se.
Natal, 04 de dezembro de 2009.
JANINE DE MEDEIROS SOUZA BEZERRA
Juíza Federal Substituta